LÚCIO CARDOSO E NELSON RODRIGUES: FICÇÕES DA DESAGREGAÇÃO

Resumo

Este trabalho se propõe a realizar uma leitura aproximativa entre os universos ficcionais dos escritores Lúcio Cardoso e Nelson Rodrigues. Por meio da análise em paralelo do romance Crônica da casa assassinada (1959) e do texto dramatúrgico Toda nudez será castigada (1965), procuraremos evidenciar as distintas maneiras com que os autores operam para abordar uma questão em comum: a desagregação de núcleos familiares por meio de elementos internos dos próprios grupos parentais. Examinaremos os expedientes discursivos pelos quais se constroem os dois textos: a miríade de cartas, diários, confissões, testemunhos e memórias a partir da qual se estrutura o romance de linguagem vagarosa de Lúcio Cardoso e a fita cassete com a gravação em voz da personagem Geni na peça de ritmo ágil e entrecortado de Nelson Rodrigues. Nessa perspectiva, veremos como, nas duas obras, as enunciações a posteriori ou póstumas revelam a condição da incomunicabilidade das personagens mesmo em meio a uma profusão de vozes. Além disso, temos o intuito de vislumbrar de que modo os mundos narrados apontam para direções aparentemente opostas: o ambiente rural do interior mineiro em Crônica da casa assassinada e a metrópole agitada revestida de tintas modernas em Toda nudez será castigada. Mais do que espaços contrários, esperamos demonstrar como esses diferentes universos, entretanto, podem ser compreendidos em integração, como um continuum de hábitos culturais que não se modificam, apesar da progressiva urbanização do país. Nesse ponto, esperamos estabelecer criticamente um diálogo entre as obras e os pensamentos de Gilberto Freyre e Roberto DaMatta.